Se
eu fosse cubano, daria um jeito de fugir do país. E para nunca mais voltar.
Sairia como pugilista, médico, jornalista, náufrago em direção a Miami, mas em
Cuba não ficaria. Além de todos problemas endógenos, os vizinhos ianques lhes
impõem um cruel e assassino embargo econômico, como de fato não se vê similar
no Ocidente. É ruim viver lá. E sem um motivo convincente aos olhos do governo
insano da ilha, é proibido viajar para fora dela.
Estive
em dois lugares em Cuba. Em Varadero, uma chamada "cidade-resorte" no
país caribenho, e também estive em Havana, a capital. Em Varadero deu tudo
certo, hotel com boa estrutura e paisagem de Caribe, nada a reclamar. Já na
capital, a péssima infra-estrutura, o comércio inexistente e o sucateamento
generalizado são dignos de absoluta piedade e baixo-astral. Consegui mesmo
assim me divertir com o exotismo de Havana, boa histórias de lá estão na
memória. A incrível cultura, e a envolvente elegância e boa educação daquele
povo impressionam.
Mas
cubanos sabem que vivem mal. Funcionários do hotel em Varadero davam a dica. Um
deles, jardineiro, lamentava profundamente suas dificuldades comigo em
bate-papos nos intervalos de execução de sua arte, enquanto eu ficava na sacada
do apartamento contemplando o mar. Em nome de nossa novíssima amizade atirei em
suas mãos o boné que usava. Ele vestiu o boné instantaneamente, e em
retribuição roubou uma dentre as centenas de flores que cuidava, por algum
motivo a tocou em sua cabeça, e depois me deu. Fomos bons amigos, ainda que por
alguns minutos.
Nunca
soube manter a amizade com o jardineiro. Há 17 anos não havia email ou celular.
Mas se houvesse, ele não teria acesso (ninguém tem nada minimamente evoluído do
país). Tive então que esperar até o Ceará me ajudar em agosto de 2013. O estado
foi um dos pontos de desembarque dos profissionais do programa "Mais
Médicos" do governo brasileiro iniciado no mesmo ano. Um primeiro grupo de
médicos desembarcou na capital do estado, e foi recepcionado por um bando de
médicos sem qualquer noção do ridículo, mas talvez com uma boa noção de
xenofobia, que se deu ao trabalho de ir até o aeroporto injuriar os colegas
estrangeiros com palavras preconceituosas. Um dos médicos cubanos, Dr. Delgado,
levou descompostura aos berros de uma patricinha colega brasileira, que tinha
aliás a mesma idade de sua filha. Olimpicamente disse após a gigantesca falta
de respeito e educação algo como "não entendi a hostilidade, estou apenas
indo para onde eles não querem ir".
Dias
depois uma segunda turma de médicos cubanos desembarcou no mesmo aeroporto, e
movimentos sociais tiveram a tirada de levar flores, indenizando assim um pouco
a péssima primeira impressão. Queria ter podido estar lá junto, relembrando o
regalo que havia ganho 17 anos antes.
Pelo
programa, nosso governo pagaria R$10 mil para cada médico que topasse vir
trabalhar em rincões sem cobertura médica no país. Lugares considerados
inóspitos não atraem médicos tupiniquins. Apesar de prefeituras e governos
oferecerem bons salários, as vagas não são preenchidas. Tem que respeitar a
decisão soberana dos médicos brasileiros de não quererem trabalhar em certos
lugares absolutamente problemáticos, sem dúvida. Mas o povo de tais praças
sempre amargou desespero e morte - e afinal, o que há de pior que não se ter
uma mínima assistência médica? Talvez apenas a falta de saneamento básico, de
água e canal de escoar dejetos, seja mais indigno. Mas fato é que médicos
brasileiros nunca toparam certos lugares, e por salário até menor traz-se agora
gente de fora. Dentre eles muitos cubanos, ótimos médicos que tradicionalmente
são.
Se
certa região no Brasil está desguarnecida, e se os caras que vem de fora são
bons, qual o problema? Geralmente, os mais ricos são contra o Mais Médicos, e
os mais pobres a favor (talvez porque literalmente já sentiram na carne os
efeitos da carestia no campo da saúde, e em tantos outros).
Soube-se
que o governo patético dos irmãos Castro retém entre 90% e 95% do pagamento do
governo brasileiro. Ou seja, resta para os médicos cubanos algo entre R$500 e
R$1.000, uma vergonha. Três deles já pediram asilo estrangeiro. Estão certos.
Uns 30 desistiram do programa nessas condições e voltaram a Cuba. Desistir e
tentar fazer outra coisa tudo bem, mas voltar para Cuba só se justificaria por
questões de família mesmo, sei lá...
Aos
cubanos, sul-americanos e europeus que aderiram o programa, deveríamos preferir
dar flores e encorajamento na ajuda aos nossos patrícios necessitados, a ovos e
xingamentos. Precisamos todos, médicos e leigos, colocar espelho nos olhos,
checar a consciência, e decidir de que lado estamos.
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